Tortura pode ser apurada em qualquer tempo, decide juiz gaúcho


Em decisão inédita, Jorge Luiz Lopes do Canto condenou Estado a indenizar homem torturado pela ditadura

 Daniel Cassol, iG Rio Grande do Sul
30/04/2011

"Nossa Constituição garante ao cidadão que ele está protegido da tortura, protegido de penas cruéis por parte do Estado"

Após declarar que crime de
tortura não prescreve, o desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, animou os militantes dos direitos humanos, que viram na decisão uma possibilidade de punição a torturadores durante a ditadura militar.


Em entrevista ao iG, o magistrado ( foto ) admite que sua decisão pode abrir caminho para a discussão. “Tortura não é um ilícito que possa acabar”, afirma.


O desembargador foi o relator do processo da 5ª Câmara Cível do TJ-RS, que condenou o Estado do Rio Grande do Sul a pagar R$ 200 mil por danos morais a Airton Joel Frigeri, preso e torturado pelo regime militar em 1970, quando tinha 16 anos. Na decisão, o desembargador defendeu que crime de tortura não pode prescrever, isto é, pode haver punição a qualquer momento, independente de quando tenha sido praticado.


A chamada “Lei da Tortura”, de 1997, não estabelece se há prescrição ou não. O Brasil é signatário de tratados internacionais que definem tortura como crime contra a humanidade – portanto, imprescritíveis.


Em abril do ano passado, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a Lei da Anistia para casos de tortura durante o regime militar. Em dezembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do Araguaia, reconhecendo os fatos como crimes contra a humanidade.


Para o desembargador, é esta a interpretação que deve prevalecer. “A Constituição e o fato de o Brasil ter aderido a uma resolução das Nações Unidas com relação à não prática da tortura fazem concluir que este fato em si é imprescritível. Não é um tipo de ilícito que se possa acabar. É algo que permanece e a todo tempo pode ser apurado”, afirma Jorge do Canto.


A decisão do magistrado se deu na esfera cível, mas os militantes de direitos humanos vêem a chance de o debate ser levado para a esfera criminal – abrindo caminho para a punição de torturadores. Jorge do Canto evita comentar os eventuais desdobramentos, mas reconhece que sua decisão pode influenciar no debate.


“Não desconheço isso. Inclusive já me perguntaram como fica a Comissão da Verdade, se passa a ser um marco para isso. Não sou eu o canal para isso. Mais que a questão da imprescritibilidade, o mais importante é que foi reconhecido na decisão que nós seguimos os ordenamentos internacionais. E a nossa Constituição garante ao cidadão que ele está protegido da tortura, protegido de penas cruéis por parte do Estado. Esse é o ponto mais relevante da decisão”, reforça.


O desembargador também admite que outras pessoas poderão buscar indenização por danos morais ou a revisão de valores já recebidos. “Se vão ser acolhidas suas pretensões, vai depender dos fatos. Existem situações e situações. Que pode abrir essa janela, pode”, avalia. Jorge do Canto afirma ainda que a decisão do TJ-RS pode abrir espaço para que vítimas de tortura por parte das forças policiais, nos dias de hoje, também busquem reparação.